Nos inÃcios dos século XX, de todas as ilhas dos Açores era em São Miguel que havia mais ovelhas. Actualmente são tão poucas que só se encontram com esforço. A sua criação não constitui uma actividade económica, a sua carne desapareceu das ementas e memórias e a sua lã acaba frequentemente no lixo. Aqui não há rebanhos: as ovelhas existem sobretudo porque ajudam no maneio dos terrenos comendo plantas que as vacas, por serem mais selectivas, deixam para trás. Umas e outras, diga-se, acabam o dia a ruminar a dieta de pasto cheio de fertilizantes complementada com rações importadas de milho transgénico, que esse é um retrato das ilhas ao qual é cada vez mais difÃcil fechar os olhos…
Monthly Archives: November 2014
mosaico hidráulico 2.0
Há oito anos, que foi quando comecei a fotografá-los regularmente, mostrei aqui o mosaico hidráulico mais bonito das lojas do Bairro Alto. Era na Casa Varela, ao cimo da Rua da Rosa. Nos meses e anos seguintes assisti à destruição de muitos destes pavimentos neste bairro e noutros. Porque era feio, porque era velho, porque era proibido. Continuou a acontecer, mesmo depois de entrar tão obviamente na moda, continua a acontecer agora, mesmo quando as revistas estrangeiras e os caçadores de tendências já olham para ele: o lindo chão da Casa Varela, que fechou entretanto, foi – inacreditavelmente – uma das vÃtimas mais recentes.
Mas, uns metros acima, no PrÃncipe Real…
O tempo dirá se é tendência passageira e demasiado gentrificada ou chega para ganhar raÃzes e abrir os olhos de quem vai a tempo para a preservação dos pavimentos antigos, mas a verdade é que há cada vez mais espaços novos a optar por este chão. Uma parte dele, suspeito, vem de Marrocos, onde muitas empresas vão buscá-lo por ser mais barato, e também há imitações (?!). Mas por cá há fabricantes novos, fabricantes sobreviventes e outros que reencontraram uma vocação antiga. Vale a pena conhecê-los e apoiá-los:
Somor, em Montemor-o-Novo.
Mosaicos d’Alcaria, na Vidigueira.
Artevida, em Fronteira.
Projecto Mosaico, em Sintra
E, claro, o Sr. Lúcio Zagalo em Estremoz.
(des)contexto
Springfield, Novembro de 2014. Camisola em fibras sintéticas idêntica à que é usada pela personagem Sara Lund na série dinamarquesa The Killing. A camisola original, em 100% lã e inspirada por motivos tradicionais das ilhas Faroe, foi concebida por Gudrun & Gudrun.
Scrolled Vines Apron (Style No. 7532601482556). Avental da marca Anthropologie com motivos de bordados de Viana do Castelo.
But can I have it both ways? If I want to ditch narrow nationalist associations in favour of a more diverse and fluid and culturally relative idea of knitting and design, why does this (…) still inspire in me a sensation of mild offence?
Kate Davies, knitwear and cultural relativism.
Para pensar.
knitsonik stranded colourwork sourcebook
A Felicity Ford, aka knitsonik, é uma de várias mulheres britânicas que admiro pela relação intelectual que têm com o tricot. Não escrevem posts particularmente cor de rosa e não passam a vida a apregoar a domesticidade (seja lá o que isso for, mas que normalmente – e sem tom pejorativo – inclui bolos e decoração), o que não significa que não tenham uma presença online esteticamente cuidada. O que publicam não é para percorrer na diagonal e fazer um rápido like, é mesmo para ler. É interessante e deu trabalho, tem informação e opinião. Ora a Felicity lançou há poucas semanas, depois de um bem sucedido processo de crowdfunding, um livro que reflecte bem esta maneira de estar na vida e na malha. Apesar de ser de leitura extremamente acessÃvel e de se poder ler de fio a pavio ou só olhar para as imagens, é um livro cuidadosamente concebido e escrito, daqueles que certamente sobreviverão bem à passagem do tempo. Propõe ser um manual para transformar as nossas paisagens e objectos de todos os dias (uma estrada, um edifÃcio, um gravador) em padrões de jacquard e apresenta um belÃssimo método para o fazer. O processo resulta na construção de amostras progressivamente afinadas até chegar ao resultado ideal, que pode depois ser aplicado em todo o género de peças (no livro são dadas instruções para umas perneiras e umas longas luvas sem dedos).
Felicity Ford, Knitsonik, Stranded Colourwork Sourcebook, 2014.
Mais knitsonik ♥: Shetland Wool Week Song (a letra está aqui) e Comparing the sounds of combing Estonian wool and Cumbrian wool in Mooste, Estonia, aqui.
Lisboa é uma cidade infinitamente inspiradora para quem pensa em padrões. Dos óbvios azulejos e mosaicos aos tons e linhas de uma casa esventrada. Os fios são Jamieson & Smith.
ver
Dentro de uma redoma de vidro, um dos livros que mais gostava de ver com todo o tempo do mundo: o códice rico das Cantigas de Santa Maria compiladas por Afonso X. O facsÃmile está fora do meu orçamento e online só se encontram pedacinhos. Quando há tantos anos se viaja nos detalhes das suas iluminuras (os padrões das roupas, as algibeiras, as ovelhas e a lã, etc., etc.), parece uma provocação vê-lo assim.
A História Partilhada. Tesouros dos Palácios Reais de Espanha. Na Gulbenkian até 25 de Janeiro.
Por passar à porta quase todos os dias fui adiando a visita. Fui ontem, no último dia, ver a exposição comemorativa dos 516 anos da Santa Casa da Misericórdia. A sequência de sinais de expostos, cuidadosamente organizados e contextualizados pelos registos de entrada dos bebés na instituição, é uma viagem no tempo de uma força invulgar. Entre eles, a minúscula meia rendada de um bebé deixado na roda em 1848.
Visitação. Na galeria de exposições da SCM (Igreja de São Roque). Terminou a 2 de Novembro.