a história da capulana 2

capulana

kanga

Continuando com a história da capulana, falta entre muitas outras coisas dizer que ela se separa em duas famílias culturalmente distintas: a da capulana propriamente dita, a que também se chama pano (por exemplo em Angola), pagne (nos países francófonos) ou chitenge ou kitenge (Zâmbia, Namíbia, etc.), cujo padrão pode ter dimensões variáveis e incluir ou não barras longitudinais, e a kanga, cujo padrão coincide com os cerca de dois metros de comprimento do pano, tem uma barra a toda a volta e, muitas vezes, uma frase inscrita (aqui há muitos exemplos). No Brasil também há cangas, mas sobre elas não sei grande coisa.

Uma das kangas que tenho é a da segunda fotografia. Foi trazida de Moçambique e é horrivelmente sintética, mas tem um motivo irresistível. Diz MUARA INTAMUENE ORERA (intamuene quer dizer amigo, o resto não sei). As kangas são usadas sobretudo nos países situados a norte de Moçambique.

A capulana da primeira fotografia também veio de Moçambique. É de algodão e é estampada pelo processo convencional, e não em batik como os outros tecidos africanos. Não sei se me engano muito se disser que em Moçambique, onde o comércio de tecidos está há séculos na mão de comerciantes indianos, os tecidos estampados têm maior importância que os de batik, mesmo que os motivos de uns e outros sejam semelhantes. Aliás, se se andar à  procura (eu tenho andado) em fotografias da primeira metade do século XX, o que se vê são tecidos tradicionais de tear e depois também muitos estampados com ar português, impossíveis de distinguir a olho nu de chitas como estas:


chita

pescadores macua

No postal, uma das lindíssimas fotografias do livro Pescadores Macua – Fotografias de José Henriques e Silva (o livro é uma raridade mas os postais arranjam-se no Arquivo Fotográfico).

Suponho que a introdução em Moçambique dos padrões semelhantes ou iguais aos dos tecidos de batik seja recente, mas não investiguei que chegue para ter a certeza.

Maputo mother and child

Maputo mother and child, by Gunnisal.

Comments

16 responses to “a história da capulana 2”

  1. Zélia Avatar

    Estava com esperança que esse da mulher a carregar o filho e o primeiro fossem novos tecidos na tua loja…

    Todos dias se aprende coisas boas aqui!

    Thanks!

  2. Luisa Avatar
    Luisa

    Viste os que eu trouxe de Paris?

  3. teresa pinto Avatar

    Aqui aprende-se sempre! Tenho lido com muito interesse este seu trabalho de investigação sobre a capulana.

    Nasci e vivi em Moçambique durante 19 anos mais concretamente na Ilha de Moçambique e sempre apreciei muito as estampagens, em batik ou não, com as suas belas cores deste tipo de panos.

    Apesar de os ter utilizado muitas vezes em roupas, hoje com muita pena minha, não tenho nenhum exemplar.Mas não está tudo perdido pois já vi que vai adquirindo peças lindas e qualquer dia lá estarei eu a bater à  porta da sua retrosaria!

  4. neftos Avatar

    cada vez fico mais encantada com a tua pesquisa.

  5. ana Avatar
    ana

    Olá Rosa,

    Já há algum tempo não visitava o teu blog, a minha filha tem uma das tuas primeiras bonecas que eu comprei na Maria Caracoleta, e desde essa altura que sempre que posso venho deliciar-me com este teu doce cantinho. Fiquei encantada com essa tua pesquisa sobre a capulana. Eu sempre adorei capulanas, e elas sempre estiveram presentes em minha casa pois apesar de ter crescido em Portugal as minhas raízes estão em Moçambique. Neste momento estou em Maputo e por coincidência a semana passada encontrei aqui um livro sobre capulanas, que apesar de não ser muito completo, poderá ajudar neste teu trabalho, pensei entao em oferecer-to como um contributo para uma iniciativa tão encantadora. Envia-me a tua morada por mail.

  6. celeste almeida Avatar
    celeste almeida

    há semelhança de outras leitoras do site, tenho as minhas raizes em Moçambique e gostava de saber onde se podem adquirir capulanas, em Lisboa. Agradeço qualquer informação.

  7. rose costa Avatar
    rose costa

    Gostei muito e folgo em saber que ” além mar há quem se preocupe em retraçar a história da capulana.
    Convido a estarem atentas a uma edição “capulanas e lenços – da editora Missanga ideias e projectos. Editorial de Maria de Lourdes Torcato e textos de Paola Rolletta. Extraordinário.
    Por acaso, estamos a tentar que investidores e patrocinadores ajudem a que a 4ª edição seja uma realidade ainda esta ano.

  8. jane alves Avatar
    jane alves

    Bom dia,
    Eu sou brasileira. O uso da kanga é mais como saída de praia quando as mulheres ainda molhadas se enrolam nelas fazendo de vestido ou de saia, geralmente o padrão da kanga está relacionado ao maiô ou bikini ou cor da moda.
    Também temos outros panos que geralmente usados por afro-descendentes que é ojá ,torço ou pano de cabeça e pano- da-costa que tem uso religioso e cultural tendo sido herdado como parte integrante da indumentária das mulheres negras é necessário reportar à  vinda destes africanos para a então colônia portuguesa [Brasil] a partir de meados do século XVI.
    Por que pano da costa?
    Porque geralmente era usado jogado sobre os ombros e descíam as costas à  baixo e também sendo comum o uso pelas negras vindas da Costa da Mina.
    Geralmente faz parte da indumentária da baiana de acarajé e dos praticantes do cultos afro-brasileiros no Brasil.

    Quero deixar claro que o uso negra ou negro não é ofensivo no Brasil, as pessoas afro-descendentes pertencem a raça negra , já não tem o uso depreciativo dos séculos XV à  XVIII e que continua em Portugal, onde é comum o uso do termo “preto”.

    Abraços , espero ter ajudado.

  9. jane alves Avatar
    jane alves

    Descobrí mais uma coisa, tenho uma amiga Yalórixa (mãe-de-santo) que me ensinou que Kanga vem do bantu ,língua falada entre os escravos de Angola e Congo e significa pano.
    Eu sou uma apaixonada por panos, bordados, rendas. Estou louca visitar o museu do traje.
    Abraços.

  10. Agostinho Avatar

    MUARA INTAMUENE ORERA significa MULHER DE AMIGO É BONITA…

  11. ES Avatar
    ES

    Lindo!! Nunca estive em Moçambique mas tenho um amigo de lá que me queria dar um presente. Pediu para eu escolher… não tive dúvidas: “Traz-me uma capulana!” Ele riu-se e respondeu que achava curioso eu saber o que isso era. Trouxe-me três, e vou aproveitar a tua onda e escrever sobre isso.
    Mas estive no Quénia recentemente onde estes tecidos se chamam Kangas, como referes. São um pouco diferentes das capulanas e diferem também um pouco na zona da costa, em Mombaça em particular, por causa da influência de outras culturas nessa zona (islâmica, por exemplo). A minha kanga é de Mombaça e também tem uma inscrição, um provérbio Suaíli: “Kununa kwako hakuniyimi riziki” que quer dizer “a tua má disposição não vai atrapalhar-me”… a melhor tradução que encontrei foi para o Inglês: “Your bad mood won’t get on my way”. Por acaso, à s vezes vem a calhar!
    No que diz respeito à s capulanas, gostava de as usar num projecto qualquer mas os padrões são grandes e fico na dúvida qual a melhor forma de as usar. Será que tens alguma boa ideia para elas?

    1. Rosa Pomar Avatar

      Depende do projecto. Em patchwork já os usei cortados em pedacinhos pequeninos mas grandes também. E em roupa gosto de ver os padrões tanto inteiros como só em partes. Aqui fica um link particularmente inspirador que descobri ontem.

  12. ES Avatar
    ES

    Não estava à  espera, mas adorei o saco de retalhos! É curioso… os dois projectos são uma desconstrução da alma do tecido: um valoriza mais as cores vivas características do tecido africano e o outro já dá lugar aos padrões. ;) Obrigada pelo link, de facto, inspirador!

  13. ISABEL SOTTOMAYOR Avatar
    ISABEL SOTTOMAYOR

    Estou interessada no livro ”capulanas e lenços — da editora Missanga ideias e projectos. Editorial de Maria de Lourdes Torcato e textos de Paola Rolletta. Será que me podem dizer onde adquiri-lo?

  14. Maria Torcato Avatar
    Maria Torcato

    Ainda há exemplares na Kapicua, distribuidora de livros em Maputo, ou na Livraria Luar, Centro Comercial Marés – Costa do Sol, Maputo.
    A mesma Editora publicou também um livro meu sobre a minha experiencia como jornalista, correspondente na àfrica do Sul entre 1985 a 1997 – desde a libertação de Mandela até aos primeiros anos de funcionamento do governo de maioria. Chama-se “Tempos a Ferro e Fogo – Irmãos e Inimigos” por Maria de Lourdes Torcato.

  15. […] algumas variantes como a kanga no Quénia que geralmente tem uma inscrição, um provérbio. A Rosa tem dois posts acerca da história da capulana que podem consultar. A questão está em que, […]

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