Estranho seria se todas as pessoas que frequentam este blog estivessem tão decididas como eu a votar SIM no referendo. Algumas manifestaram-se nos comentários, outras não. Creio que poucas delas serão mães, como creio que poucas mães acharão desejável que o Estado puna quem já tem em si a mágoa de não ter podido trazer ao mundo um (ou mais um) filho. Para elas, este post:
Não vamos votar uma questão de consciência.
O que vamos votar é a alteração de uma lei. A consciência é de cada um e age idealmente a montante da concepção, levando-nos a preveni-la. A consciência obriga-nos a avaliar a capacidade que temos ou não para criar uma criança e transformá-la num adulto. A consciência atormenta a mulher que, olhando incrédula para as duas barrinhas no teste de gravidez, hesita e, não acreditem se vos disserem que assim não é, hesitará sempre antes de se submeter a uma IVG, seja ela legal ou não. O que se decide dia 11 não é o se essa mulher vai ou não submeter-se a uma IVG (pois isso sim é do foro da sua consciência). É “apenas” o onde e como essa IVG será feita.
Não vamos votar um ideal.
Pela vida somos todos. Pela contracepção e pela educação sexual infelizmente não somos todos (ou somo-lo apenas da boca para fora) porque se fôssemos não estaríamos a discutir este problema. Quantos de nós podem dizer que nunca, mesmo mesmo nunca, correram o risco de engravidar (ou de contrair uma DST)? Quantas de nós, se tivessem engravidado dessa vez (ou da primeira dessas vezes) teriam estrutura (emocional, familiar) para levar avante essa gravidez e, mais importante, para criar – mas criar bem – esse filho enquanto acabávamos ao mesmo tempo de nos criar a nós próprias? Poucas, muito poucas. Mais uma vez, pela vida somos todos.
A lei que temos não serve.
Ter uma lei que não sai do papel era ridículo se não fosse tão grave. Com a lei actual a mulher em princípio não será presa se praticar uma IVG ilegal (sejam quais forem as condições em que ela decorra) mas é humilhada pelos funcionários do Sistema Nacional de Saúde se quiser abortar legalmente um feto com mal-formações graves (conheço casos). Com a lei actual uma mulher que perdeu uma gravidez desejada corre o risco de ser maltradada no hospital por apresentar os mesmos sintomas de quem lá foi parar por complicações depois de uma IVG clandestina. A lei que temos varre para debaixo do tapete um tema incómodo. Faz vista grossa, permite fingir que o assunto não existe.
Apenas o SIM altera a realidade.
Que mudança trouxe a vitória do não há quase dez anos? Nenhuma. Só se a lei for alterada se conhecerá melhor a dimensão real da prática do aborto no nosso país. Só assim, com o assunto bem à vista de todos, será inevitável para quem nos governa fazer da prevenção (educação sexual, contracepção acessível e gratuita) uma prioridade.
E a nós cabe-nos educar os nossos filhos para uma sexualidade consciente e responsável, de forma a tornar o aborto (legal ou ilegal) uma prática do passado.
PS: Obrigada, Gato Fedorento.
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