Políptico São Vicente de Fora, atribuído a Nuno Gonçalves, Século XV [c. 1450-1490] (pormenores).
Porque me apetece marcar em breve um workshop de crochet tunisino, fui à procura de imagens da Tunísia, para tentar perceber se há uma relação entre a técnica e o país ou se é um fenómeno como a salada russa e a bola de berlim. Fiquei sem saber, mas encontrei uma coisa que veio ao encontro de uma pista que há muito seguia, a propósito de algumas coberturas de cabeça que se usavam por cá entre o século XV e o século XVI. Sempre que revia os Painéis de S. Vicente achava que aqueles chamativos chapéus vermelhos podiam bem ser de malha. À partida a ideia parece descabida, porque estamos habituados a pensar na malha como uma coisa elástica e macia, moldada ao corpo. Mas no tempo dos painéis não era assim. As peças em malha eram muitas vezes feltradas (apisoadas?) até se tornarem rígidas (como uma camisola que foi acidentalmente lavada na máquina com água quente), moldadas para adquirirem determinado feitio, cortadas à tesoura e cardados para ganharem uma superfície aveludada. É aqui que entra a pista tunisina: o chapéu masculino tradicional do país, a chéchia, não só é feito exactamente assim como se considera que foi introduzido no século XVII por muçulmanos oriundos da Península Ibérica. O seu uso está actualmente em declínio, mas continuam a produzir-se da forma artesanal: segundo esta página a lã é fiada à mão em Djerba e Gafsa, os barretes em malha são tricotados pelas mulheres de Ariana, depois feltrados em El Batan (o nome é internacionalmente sinónimo de pisão), cardados em El Alia, tingidos em Zaghouan e finalmente enviados para Tunis, onde recebem os retoques finais, sendo novamente cardados com o mesmo cardo que por cá se usou até nas primeiras máquinas da revolução industrial, e vendidos em Tunis. Infelizmente só encontrei imagens da última fase do processo, mas fiquei convencida. Acho mesmo provável que em Lisboa os muitos barreteiros documentados para 1551 e 1552 estivessem no fim de uma cadeia de produção semelhante. As semelhanças entre algumas chéchias e os barretes dos painéis são óbvias, mas quem sabe…
Chéchia. Sem data (col. Musée du Quay Branly).
Do barrete de malha à chéchia. Sem data (col. Musée du Quay Branly).
Fourma (forma em barro cozido para moldar a chéchia). Produzida pelos oleiros de Nabeul. Sem data (col. Musée du Quay Branly).
Zuz bataduris (cardo) usado no acabamento da chéchia (fonte).
Acabamentos. Tunis (fonte).
Leave a Reply