a transumância iv

miguel e américo

descanso

Iam vestidos a preceito, e não era por nossa causa. Só o maioral e o Pedro levavam o colete e a camisola de xadrês debruado a burel recortado, mas quase todos nos impressionaram pelo inesperado aprumo. Colete de lã feito no alfaiate (tema para outro post), chapéu de feltro (de coelho para os mais velhos, de lã para os mais novos) de aba curta e revirada e copa baixa moldada pelos dedos para formar um bico nos dias de chuva por onde a água escorre mais facilmente (só as maneiras de o pôr mais para a frente ou para trás dariam matéria para umas páginas…) e o indispensável cajado, de pau de marmeleiro ou de outra madeira que não apontei (Diane, lembras-te?), uma melhor para o tempo seco e outra para o inverno, bordado no topo à  navalha por quem sabe. O cajado apoia a marcha, afasta o mato, manda parar e mudar de sentido, caleja a palma do pastor e à s vezes voa para chamar o bicho que saiu do caminho.

casaco

achado do pastor

E o alforge, que não pensei ver ainda a uso. Levavam alforges de xadrez o pastor Américo e de pano castanho o jovem Miguel, sobre a t-shirt benetton e o blusão de ganga, e ainda o ouvi ralhar a um mais velho que levava uma discreta mala térmica ao ombro que aquilo não ficava bem ao pastor. Mas do casaco também se faz alforge, atando-lhe um pedaço de corda no punho de uma manga, outra coisa que nunca tinha visto fazer. Foi na manga que o Pedro levou a garrafa serra acima.

casaco

cajado

E, ainda, a pesada capa de burel, agasalho e manta, longa, com capuz e forrada em cima com o mesmo xadrês, que quando ensopada de chuva chega a pesar 70 quilos.

vestir a capa

capa

Comments

14 responses to “a transumância iv”

  1. maria Avatar
    maria

    que bonito trabalho etnológico fizeram, uma homenagem a um mundo em vias de extinção, uma homenagem aos animais e aos homens do nosso povo e que não podemos esquecer; as imagens são lindíssimas : dos rostos, dos corpos, das mãos, das roupas, dos animais, das paisagens. parabéns

  2. Diane Avatar

    Gostava de acrescentar que a roupa tem funções para além da de vestimentária. O casaco é deitado no chão para o pastor poder se sentar nele, e tal como a tua foto desmonstra muitíssmo bem, o pastor tira a bota para servir de almofada:)
    O cajado é feito ou de marmeleiro, de freixo ou ainda de lodão.

  3. sara Avatar

    Eu só posso dizer que estes vossos posts deviam ser lidos e apreciados por toda a gente que se diz portuguesa ou que tenha alguma relação com a nossa cultura. Deviam mesmo ser visionados em escolas, e mostrar um pouco do que ainda somos à s crianças “de alcatifa”, aos adolescentes de “ipods” e lembrá-los de que há mais para além de uma “pseudo-cultura” importada que (a meu ver) muito pouco nos inspira ou motiva.
    Não é que queiramos agora ser pastores, largar tudo e regressar a uma vida rural… mas é o valor que damos à s coisas. É o preço que damos pelo leite e pelo queijo da serra, pela lã, pelo burel… é o contexto que percebemos que existe e nos distingue enquanto cultura.
    E que bom seria que os nossos filhos, netos e por aí fora nunca ficassem espantados (como eu fiquei) ao ouvir semelhante termo: Transumância!

  4. Silvia McFarland Avatar

    E sempre um prazer ler, e aprender, sobre a nossa cultura tao rica. Tenho tantas saudades do campo e das serras (e do mar tambem)!

  5. eva lima Avatar

    Fizeram um trabalho magnífico!

    Não sabia que ainda usavam as roupas tradicionais.

  6. packard em rodagem Avatar
    packard em rodagem

    vossemecês têm-nos no sítio.
    que história!

  7. carla Avatar

    Linda esta série sobre a transumância.
    Parabéns pelo trabalho.

  8. carla Avatar

    São estas imagens e estórias que me fazem sentir mais portuguesa, não as bandeiras à  janela de 4 em 4 anos.
    E há ainda tanto para saber sobre nós.
    Obrigada por ajudares a esta auto-descoberta.

  9. Sandra Bugmann Avatar

    Cada detalhe dessa jornada me emociona, encanta e surpreende!Muito obrigada por compartilhar de forma tão poética essa aventura incrível! As imagens são maravilhosas!

  10. Vera Martins Avatar
    Vera Martins

    Olá Rosa, é muito lindo todo este material sobre os pastores. Me chamou muita atenção os “alfojes”. Eles são muito semelhantes à s “malas de garupa” usadas no sul do Brasil por quem trabalha no campo à  cavalo. O mais comum é que seja feita em tecido algodão branco, listado de vermelho e azul.
    http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-182742410-mala-de-garupa-gaucha-estilo-tradicional-em-tecido-_JM

    Um abraço
    Vera Martins

  11. Caroline Avatar

    Bom dia!
    Sou do Brasil e Tenho uma pergunta para você, minha irmã vai para a Itália e Espanha neste mês e gostariamos de saber se vc conhece alguma loja interessante pra visitar ou o Blog de alguem de lá para entrarmos em cotato.
    Um bjão

    meu email para contato. caroline1182@hotamil.com

  12. […] à  procura do alfaiate que fez os casacos dos pastores porque, depois de experimentar o do Pedro, decidi mandar fazer um à  minha medida. A morada que […]

  13. […] histórias do que se passava há 30 ou 40 anos são muitas e fascinantes. Por ali pouco se vêem os casacos de raxa e capas de Burel do outro lado da Serra – quando sai com as ovelhas, o pastor leva o cajado e um cobertor de […]

  14. […] antes. Não sei se há por cá outros pastores tão orgulhosos como os da Serra da Estrela, sempre aprumados nos seus casacos de raxa e de cajado na mão. Eu emociono-me sempre que os […]

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