Hoje percorri o bairro dos meus pais como não fazia há muito. É um bairro que não é bem um bairro, entalado que fica entre a Madragoa e outro (o Alto). Nos últimos anos transformou-se quase beyond recognition e acho que só hoje percebi quão poucas lojas são as mesmas de quando lá chegámos. Em 1984, a menos de cinco minutos de casa tínhamos uma chapelaria (agora vazia), um correeiro (tornado loja de molduras de revigrés reluzente no chão), onde ia aplicar molas e ilhoses nos empreendimentos crafty da época, um grande armazém de louças e plásticos (agora loja de quinquilharias sazonais), várias lojas de pronto-a-vestir (agora lojas chinesas e dos 300), ourivesarias, padarias, inúmeras mercearias (umas mais especializadas que outras), sapatarias, duas drogarias (a que não fechou é a única loja da zona cujo interior ainda não foi destruído), farmácias, o fotógrafo do bairro (grande resistente), carpintarias, retrosarias, um alfarrabista (outro que sobrevive), barbearias, papelarias, confeitarias, etc. Na altura só a Chapelaria Royal parecia condenada. Tento recordar cada uma das novas lojas por onde passei hoje (produtos naturais, decoração, bijuterias, agência de viagens, loja dos trezentos, loja chinesa, loja chinesa, loja dos trezentos) e das velhas também (loja de roupa de homem em liquidação total, loja de roupa a fechar, loja fechada, loja fechada, electricista empoeirado, tasca, papelaria fechada, loja de velharias feita agência imobiliária, quinquilharia, loja chinesa) e perceber como pode ser que a maior parte daquele novo comércio tradicional seja agora o do absolutamente inútil (brindes, quinquilharia, decoração, fonte a pilhas, flor de plástico, peluche piroso, pastilha elástica).
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admirável mundo novo
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13 responses to “admirável mundo novo”
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Por aqui o cenário é o mesmo mas ainda mais deprimente… É triste…
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e por aqui… eu terei que ir ao mercado local e mergulhar entre as pilhas de roupa supostamente oferecida pelos povos solidarios do mundo aos povos necessitados do outro lado e encontrar pedacos suficientemente grandes para unir e fazer lencois!!! :-)
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Fiquei nostálgica com o teu post, aquilo que seria um comentário, transformei-o num post… obrigada Rosa por me teres feito relembrar coisas já tão esquecidas!
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É muito triste não é? Lembro-me do primeiro ano em que cheguei ao Porto… Havia uma loja de papéis, papel de parede, decorativo, uns pintados à mão, outros estampados artesanalmente…enfim! Era na 31 de Janeiro e estava em liquidação total!! Papéis com 100 anos quase ao preço da chuva. O senhor que os vendia quase chorava.Comprei alguns, poucos, porque o dinheiro q tinha não me permitia mais.Contudo, o mais fascinante na loja, além dos papéis, eram os móveis: eram todos em madeira trabalhada, e o tecto tinha um trabalho de talha dourada digno de uma igreja barroca ou algo parecido!Pensei que ainda levasse uns dois meses a fechar…qual não é o meu espanto quando passo lá uma semana depois, já com mais alguns trocos..e aaahhhh! Uma loja de roupas chinesa, cheia de tectos falsos de gesso branco, holofotes fluorescentes tipo luz de talho… e as talhas douradas?! Nem uma peça! Provavelmente estão por aí por esse país fora, retalhadas em casas de novos ricos, para quem o dourado é apenas mais um adorno da sua ignorância… é triste não é Rosa?
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Each time I go visit one of our clients in Moscavide, I pass by a loja called “Bamboo”…”Quality Merchandise” and you know that face that you pass in the baixa that makes you smile….:)*
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Aqui no Rio também está cheia de lojas chinesas.
Até em Copacabana tem uma atrás da outra.
Tantas lojas bacanas fecharam!
Beijos
Mariana
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ola Rosa, escolhi-te entre outras meninas para escreveres 5 habitos estranhos. Espreita o meu blog. Espero q não te importes.
bom fim-de-semana.
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como eu te compreendo… passei a minha infância a fazer compras em Algés, terra da minha mãe, e as lojinhas que mais gostava já fecharam quase todas, até a do café que tinha um cheiro que adorava…
mas sabes que foi isso mesmo, essa sensação de passear em ruas cheias de lojinhas de bairro, que voltei a encontrar em Amsterdão e é sem dúvida uma das razões porque gosto tanto daquela cidade…
gostava que lisboa voltasse a ser assim, seria infinitamente mais bonita
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Entrei na drogaria do bairro dos meus pais:
– Tem bicarbonato de sódio?
– Não
– Sabe onde o posso encontrar?
– Em drogarias.
– … E nesta drogaria existe?
– Este estabelecimento não é uma Drogaria!!!!!!
… Letreiro que li quando saí cá para fora bastante corada…. Drogaria qualquer-coisa-que-já-esqueci!
Muitos beijos Rosa
BD
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É uma praga! Aqui, em Viseu, todo o centro histórico está a ficar sem lojas características.
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Como te compreendo…
Aqui em Benfica é a mesma coisa. O comercio tradicional antigo está todo a fechar e estão a nascer lojas do chineses, como cogumelos…
É triste…O que me entristece mais é pensar nas pessoas de idade que passaram a vida inteira com o seu negócio e depois ter que vender tudo ao desbarato…
Até a loja de café que tanto adorava, fechou…só restou uma.:(
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O mais incompreensível de tudo isto é a cegueira e a ignorância deste povo que não vê que para poupar um cêntimo na loja do chinês está a hipotecar o futuro dos seus filhos e do país, porque por cada loja chinesa que abre, fecham duas ou três nas redondezas, com os consequentes despedimentos de trabalhadores que vão para o Fundo de Desemprego, viver de um subsídio que é pago com os nossos impostos.
Que país é este que permite que essa gente arruine o comércio local, abindo lojas que funcionam com isenção de impostos por um período de 5 anos e que têm governos ou máfias que lhes pagam rendas astronómicas de 600 e 700 contos pelas lojas?
Que povo somos nós que colaboramos na nossa própria desgraça?
Ah, Portugal, Portugal! Com um povo tão miserável como o nosso, nunca conseguirás sair da sepultura em que os teus próprios filhos te querem enterrar!
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Oi, rosa:
Deus do céu, esse mundo está perdido !
Moro numa pequena cidade,no Brasil, e é tudo igualzinho ao que vocês contam daí de Portugal:a História,a Tradição, o Folclore, se perdendo, e sendo trocado por quinquilharias, em lojas de plástico,sem alma e sensibilidade.
Por outro lado, estou muito feliz em saber que gente jovem fica preocupada com essa perda de identidade,e, ao seu modo, faz de tudo para manter a chama acessa.
Desistir, nunca.
Um abraço
Flora Maria
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