pêras e cabeçadas

a caminho do montemuro

o tempo dos bodes

Em véspera de partida para férias, o trabalho não permitiu que acompanhasse a descida da Serra, adiantada pelo mau tempo em relação ao previsto, mas cheguei a tempo da última caminhada e do convívio. Com as férias regressaram à  terra vários ex-pastores e ex-futuros pastores que a vida levou a outros países. Também eles desceram a serra com o rebanho, fundindo-se no grupo como se nunca tivessem deixado a Serra. Com um deles aprendi mais sobre a tradição de enfeitar os bodes durante a transumância. Zé, há muitos anos emigrado no Luxemburgo, fez várias vezes a transumância para a Serra de Montemuro, uma caminhada de cinco dias que hoje dizem já nem ser possível por as novas estradas não terem preservado os acessos necessários à  passagem dos rebanhos. Nesse tempo o isolamento a que os da Serra da Estrela ficavam confinados, tão longe de casa, implicava por exemplo que levassem um homem só para cozinhar para os outros. Os pastores tinham brio: competiam entre si pelo aspecto dos rebanhos, exibiam a obediência do gado, enfeitavam os focinhos dos bodes para a caminhada com as cabeçadas ou cabrestos e os chifres com uma enorme quantidade de pêras (borlas) ou pompons e campainhas (chegavam a ter 10 campainhas por chifre, para além de um enorme chocalho ao pescoço). O nosso interesse pelo tema fez sair das gavetas fotografias de há dez e há vinte anos e um saco de pêras por estrear, feitas pelo Zé nos tempos livres. O enfeite dos bodes é uma arte exclusivamente masculina. São os homens que cosem e bordam as cabeçadas e que fazem as pêras coloridas, numa terra em que toda a lã é vendida a intermediários e as mulheres não a fiam nem fazem meia. Comoveu-me a imagem do Zé no Luxemburgo a fazer estas lindas pêras de lã colorida presas com atilhos plásticos para sacos. Prometeu-me que no ano que vem, quer estejamos lá para ver ou não, o rebanho do maioral Miguel voltará a subir a serra enfeitado como dantes.

o tempo dos bodes

zé e as pêras

Comments

12 responses to “pêras e cabeçadas”

  1. rita Avatar

    afinal ainda foste a tempo e que lindo post!

  2. Ana Lacunza Avatar
    Ana Lacunza

    Tomara que retomem as tradições.
    Parabéns, Rosa!

  3. Marta Figueira Avatar
    Marta Figueira

    que maravilha Rosa! Emocionada fiquei eu! :))

  4. Silvia Orchidea Avatar
    Silvia Orchidea

    Memoráveis as lembranças que ficarão. Que tradição bonita!
    Estamos por aqui a olhar…
    Saudações
    Silvia
    Rio de Janeiro/BR

  5. Ni Avatar
    Ni

    que bonito.

  6. Lucia Dias Avatar

    Que lindo! Pena que até aí as tradiçoes vão se perdendo…não fiam mais.
    Beijos

  7. Virgínia Avatar

    Muito bonito. Esperança num Portugal mais verdadeiro, é o que sinto depois de ver estas imagens!

  8. […] mantêm o hábito (que vi finalmente ao vivo depois de um ano de espera) de os decorar com as pêras e cabeçadas sobre as quais escrevi antes. Não sei se há por cá outros pastores tão orgulhosos como os da […]

  9. […] a preceito para receberem a benção na capela de Nossa Senhora do Soito. Mesmo depois de ver as pêras e cabeçadas usadas pelos bodes do outro lado da serra, as ovelhas enfeitadas de Fernão Joanes não podem […]

  10. […] já podem ser seguras aos cornos dos bodes. As mais antigas eram presas com tiras em couro e as mais recentes são-no com abraçadeiras de plástico. Na colecção do Miguel há de umas e de outras, feitas por […]

  11. […] por aqui vai passando já se deve ter cruzado com algum de muitos posts sobre o hábito que sobrevive em algumas aldeias da Serra da Estrela de enfeitar os […]

  12. […] a romaria dos animais em honra de São João, na Folgosa da Madalena, porque este ano o rebanho foi a rigor. Para segurarem firmemente uma fileira de borlas (ou pêras) gigantes, os cornos têm de ser […]

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